Sobre publicações suspeitas em revistas de Filosofia
Ontem a Daily Nous publicou uma postagem sobre um artigo suspeito que saiu na Synthese sobre “apreciação de poesia em estudantes chineses do sétimo ano”. No mínimo estranho não? A notícia completa encontra-se abaixo.
https://dailynous.com/2025/04/25/a-mysterious-publication/
Porém, eles fizeram uma atualização, mostrando que isso está se repetindo em outras revistas. Os artigos tem o padrão de não ser relacionado com o escopo da revista, bem como sobre temas vagos e específicos (demais), sendo aprovadas para publicação de forma extremamente rápida. Mas é apenas isso? Quem as aprovou? São casos isolados?
Estou aqui para falar sobre isso e mais: algo que já havia falado meses atrás e venho acompanhando por fora o que o Weinberg ou quem quer que seja que tenha percebido e informado a ele, perceberam só agora. Está havendo uma corrente intrusão de artigos aliens dentro de nossos periódicos. Os casos que irei mostrar são de revistas brasileiras - que não ficam de fora, como mostrarei brevemente aqui.
A Trans/form/ação (que rigidamente só aceita artigos de doutores e preza pela qualidade de textos com a internacionalização da revista) aparentemente está recebendo, aprovando e publicando textos deste tipo, boa parte dos que vi dentro de volumes intitulados “Filosofia Oriental”. De início, você pode achar que se trata de algo inclusivo e louvável. Alguns tem teor filosófico (tanto dito “oriental” quanto da filosofia feita por essas bandas colonizadas). Porém, mesmo indo com a cabeça aberta, leia os textos que estão lá. Destaco um deles, Avaliação do pensamento filosófico da antiga cultura da tecnologia metalúrgica chinesa, , que pode ser visto no link.
Em boa parte desses artigos não há esforço de fazer filosofia de fato (por favor, sendo intuitivo e deixando um pouco de lado ao menos por um momento as implicações problemáticas desta afirmação) mas de ter publicações, apenas. São relacionados temas completamente desconjuntados ou extremamente específicos com uma narrativa filosófica de fundo e com uma quantidade de páginas, referências e jargões para que o torne aceitável e publicável. Vejam por si só este texto e outros que estão sendo publicados lá e vejam se estou exagerando.
E este movimento vem aumentando. Temos também exemplos na Revista Kalágatos, como este abaixo sobre a Filosofia Política de Nguyen Binh Khiem e a importância da mesma para o atual Vietnã:
https://revistas.uece.br/index.php/kalagatos/article/view/15246/12998
É um artigo de história política do Vietnã com algumas questões sociais agregadas culturalmente e coladas, praticamente, a posturas político-filosóficas daoístas. O inglês não está nem um pouco adequado (e olha que meu inglês é ruim), com pouquíssimas referências (tanto históricas quanto filosóficas para embasamento do argumento defendido aqui da influência de uma interpretação daoísta de Nguyen Binh Khiem. Aceito em um mês depois de submetido. Estranho, não?
Agora temos a Griot, que está aos poucos sendo “infiltrada” por este tipo de publicação. Este exemplo me capturou, que é sobre o aspecto religioso do daoismo no Vietnã do período de mil anos atrás:
https://periodicos.ufrb.edu.br/index.php/griot/article/view/4815/2531
A proposta é interessante… Para um periódico de História. Porém, mesmo assim ele tem poucas referências justamente para o que se propõe, com muitas afirmações e achismos soltos no texto e informações sem relevância ao que se propõe falar (levanta óbvias suspeitas da famosa “encheção de linguiça”). Quanto tempo da submissão até o aceite? Menos de 3 semanas. Gostaria muito que nossos pareceristas tivessem a mesma disposição e caridade de realizar estes pareceres relâmpagos positivos com artigos locais.
Claro, sendo caridoso, podemos pensar que se trata de uma maneira de fazer filosofia distinta da forma tradicional. Mas a questão não parece ser estilística nem de tradição filosófica: isso parece um método bem pensado produtivista de como inflar currículo as custas de revistas inclusivas. Porém, tais revistas tornam-se permissivas se em seu corpo de pareceristas acaba incluindo pessoas que seja por má-fé, confluência de interesses, oportunismo ou falta de profissionalismo acadêmico, aceita tais artigos sem qualquer crivo adequado sobre temática ou conteúdo abordado. A busca de internacionalização e Qualis também abrem tais brechas, posto que todas estas revistas estão catalogadas JCR (Journal Citation Reports), e isso parece ter um fator de relevância para que estes autores de artigos se cadastrem nas plataformas destas revistas brasileiras e enviem submissões às mesmas.
Encerro aqui o relato. Tem mais duas revistas brasileiras que suspeito estarem sendo usadas para este “esquema”, mas não tem como bater o martelo ainda, e vou continuar pesquisando. Aos envolvidos por prestígio acadêmico ou editorial, prestem atenção e cuidado com o material que andam aceitando (ou reprovando) nos jornais, estamos precisando de uma melhor curadoria. É isso. Um abraço a todos.
Falamos sobre um monte de coisas nos comentários, mas vamos ao ponto central:
Este ramo de atividade que é a pesquisa depende da transparência para ter o mínimo de credibilidade. Depende também de outros valores como, por exemplo, dos editores não filtrarem os fatos a partir das próprias preferências políticas, morais, estéticas. Mas isso é assunto para outra ocasião.
Sem transparência, as razões para financiar a pesquisa colapsam. Eis porque é importante conversar sobre essas questões relacionadas às políticas editoriais.
Acho que esta plataforma, o PubPeer, pode te interessar:
https://pubpeer.com